Sob a luz de uma chama rude, os mais velhos contam aos jovens suas desventuras pelo mundo afora, o calor das descrições da caçada aquece-os mais que o próprio fogo. Jovens nobres se debatem perto de suas aias, ouvindo os últimos feitos das expedições cristãs ao coração do mundo Bizantino. Saturados e com uma tarde de sábado vazia, adolescentes discutem entre si algumas de suas escapulidas para o mundo da maturidade e do sexo.
Seja aonde for, a arte de contar histórias é, provavelmente o legado mais antigo da humanidade. Muito antes da escrita, da roda e da civilização inventar a palavra “civilização”, as pessoas se reuniam para ressaltar os eventos de suas vidas corriqueiras. Seu avô provavelmente fez o mesmo com você algum dia. Pois é claro, onde há um enredo há, de igual forma, imaginação, e é esta qualidade que faz os homens poderem pensar por si, fantasiar sobre coisas impossíveis e, virtualmente, viver cada um destes contos.
Essa é a essência do Role Playing Game, o RPG.
Traduzindo, o JIP, Jogo de Interpretação de Personagens, não passa disso, histórias sendo contadas. Porém há um enorme diferencial: os ouvintes não permanecem calados e passivos, eles vivenciam, atuam e constroem a história. São os personagens em um mundo fictício, assumindo papéis como os de Gilgamesh, Rolando, Merlin, Ulisses, Rei Arthur e tantos outros míticos seres de nossa literatura romanesca. Em uma última explicação, é a brincadeira de “bandido e mocinho”, situada em uma miríade quase infinita de possibilidades.
O jogo foi criado por dois amigos, Gary Gygax e Dave Anerson. Viciados nos jogos de estratégia, como Risk (conhecido aqui pelo nome de War) ambos viviam inventando diferentes cenários para jogar com os amigos. Certo dia ambos construíram uma grande maquete de um castelo e foram jogar outra vez. A batalha estava difícil, e ambos se gabavam de estarem vencendo, quando um dos jogadores disse “bom, já que meus exércitos não conseguem penetrar, um dos meus soldados de infantaria encontra uma tubulação de esgoto e invade sozinho o castelo”. Os dois ficaram pasmos, até então o jogo era realizado com grandes massas de soldados, cem, duzentos, trezentos... Muitos de cada vez. Jogar com apenas um personagem era uma inovação.
E eles não se aquietaram até fazer uma maqueta da masmorra abaixo do castelo e jogar essa bendita versão de um personagem só por jogador. Claramente, essa aventura não foi muito longa, e os solitários heróis pereceram, mas não em nome de uma causa perdida, pois esta idéia foi a que lançou a luz para uma gama muito mais vasta de possibilidades. Em 1974, os dois amigos lançaram o game Dungeons & Dragons, o conhecido D&D, o primeiro RPG.
As premissas eram simples: regras para se criar um aventureiro, para conduzir histórias e combates, compêndios de monstros mitológicos... E pronto, junta-se um bando de amigos e a diversão rola horas a fio. Em sua maioria, os RPGs possuem um conjunto de diretrizes para tornar o jogo equilibrado, sem elevar muito a força de um, e diminuir de outro, e que assim, ainda possa haver um nível de desafio. Encabeçando os jogadores estaria a figura do Mestre, um indivíduo que seria incumbido de criar o “plot” ou enredo inicial da campanha”, a aventura em si, definindo labirintos, personagens coadjuvantes, batalhas, inimigos, prêmios etc... O que em geral compõe uma boa mesa de RPG? Dados, fichas com as características dos “heróis”, papel, lápis, livros, pizza, amendoin doce e refrigereco.
A partir daí o RPG evoluiu, se desprendendo da faceta de fantasia medieval, herdada dos lendários livros de J. R. R. Tolkien, agregando diversas novas características. O jogo poderia ser engraçado, como em Paranóia, onde em um mundo futuro, as pessoas vivem em complexos habitacionais dominados por insanas inteligências artificiais com complexo de teorias da conspiração contra elas; sobre horror pessoal, de Vampiro, onde você é o monstro, um nosferatu, uma criatura que vive em meio as trevas; genérico, como em GURPS, um sistema que se adapta a todas as situações, desde super heróis, império romano, horror atômico a aventuras futurescas...
Aqui vai um exemplinho camarada: Você decide jogar, o mestre diz que a ambientação será feita em um cenário fantástico medieval, onde as criaturas lendárias como Dragões e Minotauros, fazem parte de um lugar ceia de magia e divindades. Seu personagem é um guerreiro, filho de um ferreiro, aprendeu a forjar suas próprias armas. De mesmo modo, sua mãe conhecia alguns dons da mata, e lhe passou esse conhecimento. Certo dia você decide se juntar com seus amigos e sair em busca de aventuras, e logo na primeira planície vocês encontram uma carroça destruída. Usando suas habilidades de rastreio, o mestre pede para vocÊ fazer um “teste”, que dependendo se seu nível de habilidade pode ser mais fácil ou difícil. Se você passar, poderá seguir atrás dos monstros, ou assaltantes, ou qualquer outra força misteriosa que agiu naquele lugar. Se não, seu grupo pode somente ir para a cidade mais próxima, onde rumores sobre um assalto a uma caravana, rechearam a taverna local...
Simples? Bem, é certo que não é muito complicado, mas dependendo do sistema o qual você adota para jogar, pode ser mais complicado ou mais dinâmico. A premissa, entretanto, permanece, sendo que, dependendo do método que se usa, é possível jogar sem quaisquer tipo de regras ou dados. Para dizer a verdade, existe uma outra forma de se jogar, de um modo mais teatral: os jogadores se fantasiam como seus personagens, agem como eles em uma espécie de “teatro de improviso”, o chamado “Live Action”, mas isso é assunto para outra matéria...